Nymphographia: pesquisa em Arte e Botânica

Foto artística da vitória régia da Amazônia (Chriss Cass, 2023)
Foto artística da vitória régia da Amazônia (Chriss Cass, 2023)
  • Chriss Cass fala sobre seu TCC para o curso de Artes Visuais apresentado em 2023 no Jardim Botânico de São Paulo, quando realizou uma exposição com suas obras. Sua pesquisa acabou resultando na doação de mudas de vitória-régia para o Jardim Botânico, que não contava com esse espécime em sua coleção.
  • Os principais objetos de estudo foram as famílias botânicas Nymphaeaceae (ninfeias, vitórias-régias) e Nelumbonaceae (lótus). Esses organismos vegetais e suas mais diversas formas de representação de imagens tornaram-se matérias para trabalhos de arte, onde a morte e a decadência são menos processos conclusivos do que a afirmação de vida sob novas formas.
  • O trabalho volta-se para a produção de experimentos em Artes Visuais que buscam criar relações entre as qualidades sensíveis da matéria e seus agenciamentos poéticos com elementos de diversas naturezas para inquerir, por meio de uma “ciência poética”, a potência de vida desses seres, não apenas como meros organismos perecíveis, mas como manifestações em devir.
Cortes de vitória-régia amazônica: botão, flor feminina e flor masculina (Chriss Cass, 2023)
Cortes de vitória-régia amazônica: botão, flor feminina e flor masculina (Chriss Cass, 2023)

Nymphographia, meu Trabalho de Conclusão de Curso do Bacharelado em Artes Visuais na ECA-USP, é o resultado de uma pesquisa em Arte e Botânica que se desenvolveu ao longo de aproximadamente quatro anos, a partir dos meus primeiros experimentos com plantas aquáticas, e apresenta os registros dessa pesquisa científica e poética, assim como da série de trabalhos artísticos produzidos nesse escopo.

A grande inquietação por detrás dessa investigação é a existência dos seres, no que diz respeito ao efêmero instante transcorrido entre o seu nascimento e morte, e também sobre como a vida poderia se perpetuar para além dessa duração extensiva. Em especial, pensar a existência humana sob novas perspectivas que pudessem restituir a potencialidade da própria vida, diante das consequências que enfrentamos na atualidade pela falência do pensamento antropocêntrico e humanista e todas as mazelas contemporâneas que de algum modo podem ser ligadas a eles.

Jardim Suspenso, Natureza Morta (Chriss Cass, 2023)
Jardim Suspenso, Natureza Morta (Chriss Cass, 2023)

Desse modo, decidi buscar inspiração nas formas de vida vegetal, influenciado pelas leituras e contato com a botânica que vinha desenvolvendo nesses anos e, principalmente, porque era um ponto de vista (ou ponto de vida, como define Emanuelle Coccia) com o qual a nossa condicionada ausência de percepção e empatia permite que novas relações sejam esboçadas, sendo essas passíveis de construírem lugares outros que não os já conhecidos, já condicionados a uma pronta assimilação.

As ninfeias foram então a grande alegoria desse universo, pois encarnavam a um só tempo a própria materialidade vegetal, mas também todo um escopo simbólico através do qual, para algumas culturas, tinham uma estreita ligação com o paradigma vida e morte. A vitória-régia, também conhecida como ninfeia gigante, é um dos maiores espécimes da família nymphaeaceae e tem um ciclo biológico que pode ser considerado perene de vida curta, ou mesmo anual. Essa característica a torna um espécime emblemático para a minha pesquisa e as investigações poéticas sobre vida e morte, já que, dentre as ninfeias, são nesses indivíduos que a questão do ciclo vital pode ser observada em maior escala e em menor período. É impressionante como um organismo que se desenvolve a partir de uma semente, do tamanho de uma ervilha, tem como estratégia de sobrevivência – e (re)existência – essa magnitude de formas físicas.

Florilegium, instalação de fotos (Chriss Cass, 2023)
Florilegium, instalação de fotos (Chriss Cass, 2023)

É, no momento, uma das minhas grandes inspirações para repensar a vida humana, fabulando sobre os modos possíveis de como, dentro de sua curta duração extensiva, ela poderia ser pujante tal como uma vitória-régia e de quais poderiam ser os desdobramentos desse esforço vital em intensidade, para além da sua própria biologia. Pensar a existência como mais do que a perpetuação de uma espécie, mas sobre quais descendentes afetivos e intensidades podem ser atualizados como potências dela.

No Trabalho de Conclusão de Curso, há o registro do início dessa jornada investigativa. No texto Thalamus mirabilia, comento sobre como a minha escolha da forma “Gabinete de Curiosidades” é uma tentativa de resgate de um modo de (re)pensar o mundo sob uma perspectiva em que a ciência pode estar em simbiose com o fantástico. Deste modo, essa taxonomia poética, muito antes de querer reconstituir uma ordem natural das coisas, é proposta como uma multiplicidade de ordens possíveis que coexistem e podem ser lidas de distintos modos a partir das ligações afetivas que cada espectador é capaz de associar com seu próprio repertório.

A Arte não propõe soluções, mas perguntas, necessárias e, muitas vezes, inevitáveis.

A grande protagonista dessa fase foram as flores, que são um agregado de órgãos responsáveis pela reprodução sexuada desses organismos. Essa estrutura composta por folhas “[…] é a construção de um espaço enganoso […] para produzir uma pura superfície de conjunção, de agenciamento”, como define Emanuelle Coccia em seu ensaio “A Virada Vegetal” (2020). Elas são esse elemento que convida à interação, à imersão através da experiência estética e à fecundação de novas ideias. São uma parte do organismo vegetal que simboliza, em várias tradições, mas em especial na natureza-morta, a efemeridade da vida, ao mesmo tempo que, para a planta, essa estrutura é o estopim dos acontecimentos que levarão a um dos modos de continuidade da sua vida, através de seus descendentes.

Em relação à parte textual do trabalho, antes das considerações finais, apresento um ensaio chamado “Notas germinativas para um Devir Vegetal”, produzido inicialmente como material para um seminário que apresentei em 2022, como membro do grupo de pesquisa Poética da Multiplicidade – o qual é coordenado pela minha orientadora do TCC, Branca de Oliveira – e foi realizado no espaço do Atelier Paulista, no ciclo de seminários intitulado “Corpo, uma Fantasmagoria de Nós”. Nesse texto, trago algumas perspectivas de autores contemporâneos que trazem reflexões sobre a existência humana em relação com os organismos vegetais, para propor uma ressignificação do termo vegetativo – que usualmente é tido como um limiar entre a vida e a morte – como uma das formas mais potentes de existência.

No documento também está apresentado um conjunto de trabalhos poéticos produzidos a partir de experimentos artísticos, alguns deles com flores e outras partes de ninfeias, lótus e vitórias-régias. Os principais trabalhos são as instalações: “Nymphoteke”, que, sob a forma de um gabinete de curiosidades sobre as “Ninfas”, é composta por alguns trabalhos meus, livros, objetos e imagens dessas plantas; “Vitrine Botânica”, uma mesa expositora museológica com amostras desses diversos materiais biológicos que coletei ao longo dos anos de pesquisa, desidratados e preservados em parafina, em uma montagem conjunta com livros científicos sobre o tema; e “Constelação de Ninfas”, um conjunto de múltiplas esferas transparentes, contendo flores de diferentes ninfeias desidratadas e preservadas – tanto em relação às cores quanto à sua estrutura tridimensional característica –, que ficam suspensas por um fino cabo de aço.

Instalação Constelação de Ninfas, I Salão de Botanica, Jardim Botânico de São Paulo 2023
Instalação Constelação de Ninfas, I Salão de Botanica, Jardim Botânico de São Paulo 2023
Chriss no Jardim Botânico de São Paulo: primeiro dia de pesquisa
Chriss no Jardim Botânico de SP

Sobre o autor

Christian Bardez Castro (Chriss Cass) é artista plástico, pesquisador, designer gráfico e botânico entusiasta, formado em 2023 em Artes Visuais pela ECA, com habilitação em Escultura (turma 2016).

Seu interesse por plantas aquáticas começou em 2019, quando foi visitar uma amiga que estudava Gestão Ambiental na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, e conheceu o Hidrofitotério, grupo de extensão da ESALQ dedicado ao estudo e ensino das plantas aquáticas. Foi amor à primeira vista, e a vitória-régia tornou-se sua grande paixão.

Chriss foi orientado pela professora Branca Coutinho de Oliveira e coorientado por Silvia Noriko Tagusagawa. Para ler o TCC Nymphographia, clique aqui.

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