Mário Fanucchi, jornalista notório por sua atuação vanguardista na televisão brasileira, faleceu no último dia 23 de agosto
Professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e diretor da Rádio USP entre 1983 e 1985, o jornalista iniciou sua carreira como locutor da PRJ-2, Rádio Clube de Ponta Grossa, PR, sua cidade natal.
Em 1949, chegou a São Paulo, contratado como locutor e produtor da Rádio Tupi-Difusora, onde atuou no “Matutino Tupi”, de Coripheu de Azevedo Marques, e produziu programas de diversos gêneros, com ênfase no rádio-teatro.
Fanucchi foi também roteirista e produtor de diversos programas da Rádio Tupi e, em 18 de setembro de 1950, ajudou a inaugurar a TV Tupi em São Paulo, a primeira emissora de televisão brasileira.
Excelente desenhista, Fanucchi criou a mascote da TV Tupi: o “indiozinho”, que foi utilizado como vinheta de uma série de programas e intervalos comerciais. O personagem ganhou fama ao acompanhar o popular jingle “Já é hora de dormir” (composta em parceria com o maestro Erlon Chaves), contendo uma mensagem institucional da emissora às crianças que assistiam à programação da TV à noite.
A ideia era indicar o horário ideal para que os guris fossem dormir, terminando assim com a preocupação dos pais de terem que obrigar as crianças a abandonar o aparelho de televisão. (Posteriormente, a canção foi até cedida a um comercial dos Cobertores Parahyba, permanecendo no ar por mais de duas décadas.)
Ainda na TV Tupi, o jornalista atuou como roteirista de telenovelas e escreveu a primeira série de ficção científica brasileira: “Lever no Espaço”, em 1957.
Fanucchi assumiu a direção artística da TV Cultura em 1962. Com a venda da emissora à Fundação Padre Anchieta, entrou para o quadro de produtores da nova entidade, ocupando o cargo de coordenador de Produção.
Na década de 1960, trabalhou com publicidade nas agências Standard Propaganda e Lintas Publicidade Internacional e criou o logo da rádio Jovem Pan.
Em 1972, Mário Fanucchi se aposentou como jornalista profissional, passando a dedicar-se inteiramente a lecionar rádio e televisão como professor da ECA. Em seus mais de 20 anos na Universidade de São Paulo, ele ministrou disciplinas de graduação e pós-graduação, foi diretor da Rádio USP, coordenador de atividades culturais e de comunicação social e publicou o livro “Nossa Próxima Atração – o Interprograma no Canal 3”, pela Editora da USP (Edusp), em 1996.
Fontes:
Jornal da USP – Morre o jornalista Mário Fanucchi, pioneiro da televisão brasileira
Memórias Cinematográficas – Morre o produtor Mário Fanucchi, o criador do Indiozinho da TV Tupi
Museu da TV – Mário Fanucchi – Museu da TV, Rádio & Cinema
Depoimento de Mario Fanucchi sobre jingle “Já é hora de dormir” para Museu Virtual do Rádio e da TV
Jornal da USP – Novos rumos de “revisão nas falas”: ele é dos nossos!
Depoimentos
As mil e uma vozes de Mário Fanucchi
O Mário não foi meu professor nem amigo pessoal, mas foi meu chefe na Rádio USP e também a voz de dezenas de vilões divertidos e cativantes que povoaram o “Cáspite”, o programa de rádio do qual fui produtor e apresentador na Rádio USP no final dos anos 80.
Então, este texto não será uma eulogia tradicional ou mesmo uma minibiografia do Mário, por dois motivos: eu não tenho competência nem propriedade para escrever nem um, nem outro.
Vou escrever sobre como o Mário me marcou nos anos em que estivemos juntos pelos corredores da Rádio USP — ele como diretor, eu como produtor independente.
Não vou falar do que o Mário fez e conquistou em sua vida profissional, porque foram muitas coisas. O cara criou o logo da TV Tupi — isso mesmo, o indiozinho mascote da 1ª emissora de televisão brazuca foi criação dele. Anos depois, Mário criaria outra marca conhecida, o logo da rádio Jovem Pan. Mário compôs música e escreveu a primeira série de ficção científica da TV brasileira (“Lever no Espaço”, 1957), outro pioneirismo. Foi locutor de rádio, ator, professor. Foi muitas coisas. Mas, para mim, ele foi um dos atores que sempre marcava ponto nas gravações do “Cáspite”, preferindo fazer os vilões com os quais se divertia a valer.
Mário tinha uma voz aveludada e poderosa, com um timbre no melhor estilo Wálter Forster. Dicção perfeita, pronunciava todas as sílabas e enunciava frases de efeito como ninguém. No “Cáspite”, o Mário tentou dar cabo do Nick Holmes, enganar o Danny Cannon, afundar o Corto Maltese, esculhambar Terry e os Piratas e atrapalhar a vida de muitos outros heróis das histórias em quadrinhos que eu tentava levar para as ondas do éter todas as semanas. Ele nunca vencia, claro, e voltava sempre na semana seguinte para tentar de novo.
Mário foi um caçador impiedoso na África, contrabandista nos mares do Sul, policial corrupto e cientista louco. Troçava dos heróis e de suas ambições altruístas; sua gargalhada maléfica ecoava em nossos ouvidos no estúdio de gravação, do mesmo jeito que sua risada solta acompanhava a leitura do texto em grupo, sempre o melhor momento do dia. Nos intervalos, Mário sempre contava histórias dos primórdios do rádio brasileiro e dava bem-vindas sugestões para tornar uma frase dura numa locução mais agradável.
Não importava o que estivesse fazendo, o diretor Mário Fanucchi sempre dava um jeito de estar livre para gravar com a gente. O “Cáspite” era um programa de meia hora que, na época em que sabíamos o que estávamos fazendo, precisava de cerca de seis horas para ser gravado, editado e finalizado — sem contar o tempo que eu levava para escrever cada episódio. Mais de uma vez a secretária dele interrompeu a gravação para que o Mário pudesse assinar algum documento, atender alguém importante ou participar de uma reunião. Mas, apesar disso, toda sessão de gravação lá estava ele, pronto para ser o vilão da vez.
Mas não foram apenas vilões que o Mário fez para o “Cáspite”. Ele também foi o artista atormentado da apavorante HQ “O Retrato do Mal”, do também genial Jayme Cortez. Foi um dos programas mais complexos que escrevi e produzi. Com apenas dois personagens, o artista e o demônio invocado pela sua arte, era difícil capturar o clima provocado pelos desenhos em preto e branco espetaculares do Jayme e transportar tudo isso para um meio apenas sonoro como o rádio. Sem a interpretação sensível do Mário, que fez como ninguém o papel do artista que dá um passo maior que as pernas e se vê frente a frente com o Senhor do Mal, seria uma adaptação quase impossível. Mas funcionou e, por esse e outros episódios, nos quais a participação do Mário foi essencial, o “Cáspite” ganhou o Troféu HQ Mix em 1989. A categoria? Melhor adaptação de histórias em quadrinhos para outro veículo.
Meus anos na Rádio USP foram mais ricos porque o Mário estava lá. Sem suas mil e uma vozes o “Cáspite” nunca seria o que foi. Os programas de rádio do andar de cima vão ficar bem mais divertidos de agora em diante.
Sylvio Pinheiro (Publicidade e Propaganda, 1982)
Tive aula com o professor Fanucchi no terceiro ano do curso de Rádio e TV, em 1985. A voz grossa, tantas vezes usada para locuções profissionais, contrastava com o olhar meigo parecido com o de um menino. Contava histórias do começo da TV Tupi e exibia orgulhoso o logotipo do canal, a cara de um indiozinho, desenhado por ele. Incentivava os alunos, principalmente quem o procurava fora das aulas, como eu, e falava apaixonadamente da carreira. Tenho um baita orgulho de ter sido aluna deste mestre que agora se foi da vida terrena. Obrigada, professor, que muitos indiozinhos te recebam no plano espiritual.
Renata Canales (Rádio e TV, 1983)
“Um senhor delicado, um homem dessa importância, que sabia tudo… humilde e generoso, que dividia com os jovens um pouco do seu vasto conhecimento”
Fernando Brengel (Publicidade e Propaganda, 1982)
“Uma canção de ninar que despertava a raiva”
Mário Fanucchi