Meu destino seria fazer medicina, o caminho quase que natural de todo bom aluno ribeirão-pretano dos anos 70. Assim era. Ponto. Até eu constatar que não havia meio de eu me curar do asco que me dá a ideia de ver as pessoas pelo lado de dentro. Sem contar a ninguém, decidi mudar de destino certo. Só tinha de encontrar um outro, sendo eu cem por cento sem vocação.
Eu gostava de cantar, sou formada em piano e até era crooner (haha, os jovens não vão entender a expressão) de uma banda só de meninos (descontando a minha pessoa) que concorria em festivais do interior paulista. Mas isso não ia dar muito certo, porque a vocação musical dos meus dois irmãos mais velhos me ensinou desde sempre que meus ouvidos são cegos para notas, coitados.
Mas no que eu me achava boa? Em escrever. Pensei que o que dava para fazer com isso era jornalismo. Então, fui parar na ECA por simples eliminação.
Meu pai não gostou nada da ideia de a caçula ser a primeira a sair de casa, aos 17 anos. Minha mãe não se deu por vencida. Pegou um Cometa comigo, e lá fomos nós, Anhanguera afora, fazer a matrícula e abrir uma conta no Banespa, com a assinatura dela me autorizando a fazer as movimentações.
Alguns dias depois encontrei vaga em uma velha república feminina na rua Pirajussara, aquela do Rei das Batidas, quase na esquina com a Vital Brasil. A regra era que ali moravam sempre seis meninas. Quem saía tinha de encontrar uma substituta. Esse ciclo deve ter começado no fim dos anos 60. O único eletrodoméstico presente era um frigobar. Um pedaço de espuma fazia as vezes de sofá, e a decoração eram penas de pavão. Para mim, aquilo era um palácio, mas meu pai me deixou lá ensopado em lágrimas. Achei a emoção paterna muito fofa, mas não entendi por que ele não tinha gostado.
Liberdade era o que a ECA me trazia. Não entendi nada do novo curso. Era tudo estranho, sem sentido. Mas adorei e devagar fui entendendo como funcionavam aquelas novas disciplinas. No fim do primeiro ano, prestei vestibular de novo e entrei no curso de História, que fiz, junto com o de Jornalismo, por dois anos. Minha vida era o campus.
No fim do primeiro semestre, inauguramos nossa turmequice com um churrasco memorável. E nunca mais paramos de ser uma turma. Descobrimos a vida adulta juntos e seguimos juntos pro que der e vier há quase 40 anos.
A escolha do jornalismo, feita ao acaso, acabou dando muito certo. Eu não teria sido mais feliz em qualquer outra profissão. Em 35 anos, já fiz “de um tudo”, mas me vejo sempre como repórter. Foram 18 na grande imprensa, e o resto dividido entre vida corporativa e assessoria de comunicação.
De um jeito ou de outro, vivo de escrever. Espremendo bem, essa é minha atividade essencial. Reúno e organizo informações dispersas em textos. Fui expandindo a prática para o inglês e o espanhol. Sei lá, sai.
Um detalhe é que os dez anos de piano me deixaram de herança uma grande velocidade de digitação. Desde meus 7 anos, tenho sempre um teclado à minha frente. Primeiro, foi o de notas. Depois, o de letras, começando com as máquinas de escrever e depois pulando para todos os tipos de computador. Não consigo imaginar a minha vida sem essa companhia.
Aluna | Turma | Curso |
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Adriana Vera e Silva | 1983 | Jornalismo |