Quando pequena, meu pai tinha o hábito de me colocar na janela para ver a chuva. São Paulo não tinha tantos prédios altos e, da nossa casa, que foi construída literalmente pelas mãos do meu avô Mário (que era semianalfabeto), avistávamos as margens do Rio Pinheiros. “Filha, eu sonho que um dia você estude ali”, e apontava lá para baixo. Não falava “o quê”, mas dizia “ali”. Quis ser médica, engenheira genética, jornalista, historiadora e socióloga. Mas foi no palco da escola, e mais tarde do clube, que entendi que no teatro eu poderia ser muitas.
Eu não achei que passaria no vestibular para Artes Cênicas na ECA porque era muito concorrido e eu vinha do teatro amador. Mas, para minha surpresa, eu passei na turma de 99. Foi como entrar em outra dimensão da vida. Viver, integralmente, das 8 da manhã até à noite, teatro. Respirar teatro. Era tudo o que eu sonhei.
É difícil colocar em poucas palavras o que o CAC/ECA representa na minha vida. Lá eu me descobri artista, pude dar vazão à minha criatividade através da multiplicidade das artes cênicas. Experimentei estéticas, questionei éticas. Vivi fracassos para que pudesse caminhar para frente. Fiz amigos para a vida. Cruzei o oceano pela primeira vez, para conhecer o berço do teatro ocidental com o professor Cyro del Nero, apresentamos um espetáculo dirigido por Beth Lopes em Santiago de Compostela, viajei o Brasil com duas peças produzidas no CAC – testemunhei que, para a arte, não existem fronteiras.
Pude conviver com mestres diversos. Ter infinitas incertezas. Participar de movimentos sociais. Pude experimentar diversas mídias.
Mas, com o passar dos anos, estranhamente, uma única certeza crescia: a de que este era o caminho que eu queria caminhar. Um caminho coletivo. Com pedras, espinhos, flores, encontros e desencontros. Atuar. Seja como for. No palco italiano, na rua passando o chapéu, em frente às câmeras, com ou sem máscaras… e mais: ver e escrever um mundo através deste caleidoscópio, que produz outras possibilidades de existência.
Atualmente não moro no Brasil. E em paralelo com meu trabalho como atriz tenho uma iniciativa cultural que promove o português como língua de herança chamada “Brazilian Play and Learn”, fundada em 2017, juntamente com minha colega de CAC/ECA Mariana Leite. O relógio da “Praça do Relógio” girou, girou e nos encontramos aqui em Los Angeles. Seguimos criando, resistindo, questionando… como há 20 anos. Coletivamente.
Foi no CAC/ECA que descobri que, sim, era possível criar um futuro no presente. Na presença do encontro. E se hoje ainda sigo artista-atriz, apesar de tudo, é também por conta desse passado, deliciosamente vivido entre os anos de 99-2003.
Aluna | Turma | Curso |
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Bia Borin | 1999 | Artes Cênicas |