
“Ainda Estou Aqui” fez história ao conseguir três indicações para o Oscar 2025: melhor atriz, melhor filme e melhor filme internacional, categoria em que levou o prêmio. Muitos ecanos fazem parte dessa conquista histórica do Brasil. Veja quem são eles!

Marcelo Rubens Paiva
Tudo começou com o livro de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda Estou Aqui”, lançado em 2015, que conta a história de sua mãe, Eunice Paiva. Casada com o deputado Rubens Paiva, Eunice esteve ao seu lado quando ele foi cassado e exilado em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Ao falar de sua mãe, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva (Rádio e TV, 1982) mergulha num momento obscuro da história recente brasileira para contar e tentar entender o que de fato ocorreu com seu pai naquele janeiro de 1971.
O livro deu origem ao filme de Walter Salles, que já havia faturado o prêmio de melhor Roteiro no Festival Internacional de Cinema de Veneza de 2024.
Aguida Aguiar
Aguida Aguiar interpreta a personagem Carla, escrevente do cartório onde Eunice Paiva vai receber o atestado de óbito do marido. O atestado foi emitido em 1996, 25 anos depois do desaparecimento de Rubens Paiva. Na cena, Carla pede um autógrafo ao escritor Marcelo Rubens Paiva. Aguida entrou na EAD na turma 72 (2020).
23 de fevereiro de 1996. Centro velho de São Paulo. Calor. Sol. Não ia chover.
Ela me fez vestir um dos ternos que eu tinha herdado dele e que estão comigo até hoje. Pegamos o metrô para descer na praça da Sé. Adorávamos andar de metrô. Caminhamos até o cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais — 1o Subdistrito da Sé. Os funcionários estavam assustados com a quantidade de fotógrafos e cinegrafistas. Era um momento sublime. Mal sabiam que se fazia história naquela repartição abafada.
Um cordão da imprensa respeitou a nossa passagem. A escrevente substituta Cibeli da Silva Bortolotto nos entregou, com as mãos trêmulas e um sorriso forçado, o atestado:
Certifico que, em 23 de fevereiro de 1996, foi feito o registro de óbito de Rubens Beyrodt Paiva. Profissão, engenheiro civil. Estado civil, casado. Natural de Santos, neste Estado. Nascido em 26 de dezembro de 1929. Observações: Registro de Óbito lavrado nos termos do Artigo 3o da Lei 9140 de 4 de dezembro de 1995.
Meu pai, um dos homens mais simpáticos e risonhos que Callado conheceu, morria por decreto, graças à Lei dos Desaparecidos, vinte e cinco anos depois de ter morrido por tortura.
Trecho do livro “Ainda Estou Aqui”
Angela Ribeiro
A atriz Angela Ribeiro, da turma 61 (2009) da EAD, fala sobre seu papel em “Ainda Estou Aqui” e da importância do filme. Angela interpretou a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha.
Aos poucos, ela se deu ao luxo de atuar numa área que não dava dinheiro, mas pela qual se apaixonou inexplicavelmente: o direito indígena. Passou a atender e a representar nações indígenas que tinham suas terras demarcadas não respeitadas.
Em outubro de 1983, assinou com Manuela Carneiro da Cunha, na seção “Tendências e Debates” da Folha, o artigo “Defendam os pataxós”. Ambas trabalhavam na Comissão Pró-Índio de São Paulo, ONG fundada em 1978. O artigo foi um marco na luta indígena brasileira e serviu de modelo para outros povos indígenas, inclusive africanos, americanos e esquimós.
O artigo descrevia a situação dos pataxós hã-hã-hae, do sul da Bahia. Ironicamente, morando nas terras em que oficialmente os europeus colocaram os pés pela primeira vez no Descobrimento. Tratados como um estorvo na ditadura por fazendeiros aliados do regime.
Trecho do livro “Ainda Estou Aqui”
Augusto Trainotti
Augusto Trainotti fala sobre sua participação em “Ainda Estou Aqui” e a importância do filme. Formado pela EAD, turma 68 (2016), Augusto interpreta o jovem soldado do DOI-CODI que acompanha Eunice Paiva e diz a ela que “não concorda” com o que está acontecendo. Esse soldado fazia parte do grupo chamado de “catarinas”, em alusão ao estado de Santa Catarina de onde vinham – eles ficavam longe da família, incomunicáveis, com mais dificuldade de passar informações do que viam nas dependências da repressão da ditadura.
Mas apenas nos primeiros dias a chamavam. Depois se esqueceram dela. Deixaram-na para trás, para o fundão, para o isolamento sem sol, sem visitas, sem notícias, sem sentido. Aguentou firme. Não reclamou. Aguentou quieta. Aguentou. O mesmo soldado de antes, num dia, de surpresa, deixou um chocolate no beiral da cela. Não disse nada. Deixou e saiu às pressas. Este, ela comeu com gosto. Num outro dia, também de surpresa, ela acordou e lá estava ele, o soldado, encostado na cela. Parecia atordoado. Infeliz. Como se quisesse dizer algo. Como se fosse explodir. Assustado. Olhava indignado para a minha mãe. Então ele disse as únicas palavras que faziam algum sentido:
— Olha, queria que a senhora soubesse que eu não concordo. Só estou cumprindo ordens. Eu não concordo com isso. Isso vai acabar. Um dia, vai acabar. O que estão fazendo aqui não está certo. E quando acabar, e nos reencontrarmos um dia, em outras condições, espero que a senhora conte a todos que eu não concordava, que só cumpria ordens e que torcia para isso acabar logo.
O desabafo trouxe um alívio instantâneo. Como se um raio do sol atingisse seu rosto, por uma fresta milagrosa da masmorra. O soldado fez um bem incrível a ela. Mostrou que o mundo não estava do avesso para sempre. Que o que ela vivia, sim, não fazia o menor sentido. Que existiam pessoas de dentro que não concordavam. Que nem toda a estrutura estava a serviço da loucura. Tinha humanidade naquele terror. Havia aliados da sanidade. E ela nunca mais se esqueceu dessa testemunha anônima do caos. Repetia para nós sempre a mesma história, em detalhes, com as mesmas palavras. Foi das poucas coisas que fez questão que sua memória registrasse naquele fim de janeiro de 1971. Do resto, se esqueceu de muito, ou não quis falar, ou não quis relembrar.
Trecho do livro “Ainda Estou Aqui”
Dan Stulbach

Dan Stulbach é da turma 41 (1989) da EAD. Em “Ainda Estou Aqui” ele interpreta Baby Bocayuva, um dos amigos e aliados de Rubens Paiva. O personagem é um deputado e figura importante no círculo social e político da família, tendo ajudado perseguidos pela ditadura.
Numa manhã de sol, eu estava na piscina quando chegou um carro com um cara da minha geração: Joca! Meu chegado. Gente fina. Veio ver se estava tudo bem. Veio me fazer companhia. Joca Bocayuva. Dos lendários Bocayuva (um proclamou a República, e só não virou presidente porque os militares não deixaram). Seu tio, Baby Bocayuva, ex-deputado do PTB, foi cassado com meu pai e torturado na mesma embaixada.
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Encontrou o candidato à presidência Tancredo Neves em outubro de 1984, num jantar com jornalistas em Brasília, no apê de Baby Bocayuva, reeleito deputado pelo novo PDT. A candidatura de Tancredo começou a decolar, interrompendo o ciclo militar. O mineiro ouviu mais do que falou. Minha mãe se queixou da Lei da Anistia, que perdoava torturadores. Ninguém sabia o que os civis fariam no poder em relação às monstruosidades da ditadura. Deixaram barato por muitos anos.
Trechos do livro “Ainda Estou Aqui”
Caio Horowicz

Formado em Artes Cênicas pela ECA, com habilitação em Direção Teatral (turma 2015) e aluno da Escola de Arte Dramática (turma 68), Caio Horowicz interpreta Pimpão, um dos amigos de Vera Paiva, a filha mais velha de Eunice Paiva.

Maeve Jinkings
Maeve é da turma 56 (2004) da EAD e faz a personagem Dalva Gasparian, uma grande amiga da família Paiva e fundadora da livraria Argumento.
“Durante a ditadura, a livraria foi uma referência não só do ponto de vista cultural, mas também um foco de resistência política. A Dalva e o marido dela, Fernando, tiveram uma importância política muito grande na resistência à ditadura, e a livraria Argumento foi uma das dimensões dessa resistência”, afirmou a atriz em entrevista ao Jornal O Globo.
Em 2024, Maeve passou a integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e se juntou ao grupo de brasileiros que votam no Oscar (veja abaixo).
7 de outubro de 2006. A morte do amigo Fernando Gasparian, aos setenta e seis anos de idade, foi um baque. Gaspa era seu amigo, antes de se tornar o melhor amigo do meu pai. Tinham a mesma idade, as mesmas ideias, os mesmos costumes. Por causa de Gaspa, nos mudamos para o Rio. Estudamos nas mesmas escolas dos filhos dele. Os dois eram unha e carne. Talvez, se meu pai estivesse vivo, estaria também morrendo naquele ano de 2006. Fumante e sedentário. Agora, sim, ela seria viúva. Gaspa deixou tia Dalva viúva. Os filhos, órfãos. Um legado de respeito na política e no jornalismo, na Editora Paz e Terra e nos negócios.
Trecho do livro “Ainda Estou Aqui”
Cobertura da imprensa
A dupla de jornalistas ecanas Mariane Morisawa (1992) e Flávia Guerra (1996), que acompanhou “Ainda Estou Aqui” desde seu lançamento no Festival Internacional de Cinema de Veneza no ano passado, foi para Los Angeles para cobrir essa conquista histórica do Brasil.
Balanço do Oscar 2025 feito por Mariane Morisawa para a revista “Veja”
Flávia Guerra mediou a coletiva de imprensa dada por Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello depois da conquista do Oscar de Melhor Filme Internacional

Ecanos que votam no Oscar
Em 2025, aumentou o número de ecanos que votam no Oscar, com a inclusão de mais três no grupo de agora quase 60 brasileiros convidados a integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Entre os ecanos estão: Anna Muylaert, Jeferson De, Petra Costa, Maurício Osaki e, desde 2024, Maeve Jinkings, Juliana Rojas e Jorge Bodansky. Ao todo, a Academia conta com mais de 10 mil membros do mundo todo.