Rogério Cathalá

Rogério Cathalá, em 2005, em still do curta "Cavaleiro de São Jorge"
Rogério Cathalá, em 2005, em still do curta "Cavaleiro de São Jorge"

Como fui parar na ECA

Eu tinha vocação para a escrita e o cinema desde a infância em Vitória da Conquista. Era uma criança solitária e cheia de imaginação, criada pelos filmes da sessão da tarde e pelos poucos filmes que vi no cinema da cidade, para mim sempre impactantes.

Em 1991 me mudei com minha mãe para São Paulo para morar com minha avó. Só descobri que havia um curso de Cinema com 15 anos, nos bancos da escola pública em que estudava em Santa Cecília, EEPSG Prof. Fidelino de Figueiredo, nos anos 90. Um cursinho fez uma visita e distribuiu um pequeno manual com descritivos de carreiras.

Desde então era o que eu queria fazer da vida, muito mais por uma necessidade existencial do que um pensamento racional sobre dinheiro e carreira. Havia poucas opções, uma escola caríssima para os filhos da elite e uma pública, também de elite, concorridíssima (uma proporção de 1500 pessoas por vaga quando passei), ou sair do estado ou do país. Só podia ser a ECA.

Não foi algo muito bem aceito de cara pela família. Tentei convencer meu pai apelando para o conterrâneo Glauber Rocha, como exemplo de uma carreira possível – piorou para ele, pois tinha estudado com o Glauber em Salvador e sabia que vinha de família rica. E vaticinou: “cinema é coisa de rico!” E de fato ele tinha razão, mas eu não pensava em dinheiro, só pensava em cinema.

Trabalhei em locadora e paguei dois cursinhos. Tentei algumas vezes o vestibular para ECA, em 1998 quando ainda era Cinema e TV, depois mais três tentativas e foi na quarta que entrei, com 21 anos, em 2002. Devo ter sido um dos primeiros a entrar no Audiovisual com algum tipo de política afirmativa. Graças ao recém-criado ENEM e a uma nova fórmula que considerava estudantes de escola pública, ganhei 3 pontos a mais para chegar à nota de corte da primeira fase. Eu fui a nota de corte! Eu amei a prova de conhecimentos específicos e tinha certeza de que meu lugar era ali, criando e aprendendo arte. No final foi o que me fez ficar entre os 35 no Curso Superior de Audiovisual.

Experiência na ECA e o que a escola representou na minha carreira

A ECA foi muito enriquecedora para mim, primeiro na graduação e depois no mestrado, onde tive oportunidade de fazer amigos e ter aulas com Ismail Xavier, Carlos Augusto Calil, Roberto Moreira, Rubens Rewald, Esther Hamburguer, Almir Almas, Vânia Debs, Eduardo Peñuala Canizal e muitos outros e entender o cinema e o audiovisual não só como uma arte ou uma forma de entretenimento e mercado, mas como uma forma de éthos, uma forma de conhecer e estar no mundo.

Eu me orientei muito mais em direção ao roteiro no curso, mas ainda tinha vontade de dirigir. Momento importante na minha formação foi a experiência de ter dois roteiros filmados – um dirigido pelos colegas Vinicius Toro e Mirian Magami (“Fim de Semana Sim”) e outro escrito por mim com direção minha e de Márcio Vianna Filho. Inspirado no universo dos Racionais MC’s, “Cavaleiro de São Jorge”, thriller policial de 15 minutos, foi indicado para o CILECT Prize (Centre International de Liaison des Écoles de Cinéma et de Télévision), sendo o filme brasileiro com mais votos da edição. Não seria possível filmar sem a estrutura e o apoio da ECA – pelo que me consta foi o segundo projeto filmado com equipamento da escola na periferia, depois do filme de Jeferson D. Era uma realidade que não era a minha, mas era para mim muito mais urgente do que os dramas de apartamento que costumava ver. A desigualdade e o olhar de quem é historicamente excluído é um tema visceral para mim.

TCC, mestrado e “Cavaleiro de São Jorge”

Estive na graduação de 2002 a 2006 e logo depois de me formar fui para a Espanha e tive uma espécie de hiato na carreira e na vida do cinema. No momento mais importante para começar uma carreira, que é a finalização do curso, me afastei dos amigos, das indicações e fui viver uma vida de imigrante, com demandas muito diferentes. Apesar de continuar fazendo cursos de roteiro e estar escrevendo o meu primeiro longa de gênero, o meu curta de formação, “Cavaleiro de São Jorge”, ainda não estava finalizado.

Concluí o curso com um TCC sobre o roteiro, e o codiretor seria responsável pela finalização do filme. Três anos depois, voltei da Espanha e o filme não estava finalizado. Era o “Chatô” da ECA, filmado em 2005 e lançado em 2015! Entrei no mestrado em Meios e Processos Audiovisuais (2011-2014) para continuar estudando dramaturgia, desta vez nos games, com orientação de Almir Almas e coorientação não oficial sobre símbolos e sonhos do professor Eduardo Peñuela Canizal, membro da banca, falecido pouco antes da defesa. A dissertação é um estudo comparativo entre aspectos dramatúrgicos e narrativos em filmes e games, usando como ponto de partida o fenômeno do “sonho” e do “sonho lúcido”. Soa um pouco exótico, não?

O objetivo, também, era voltar a ter vínculo com ECA e poder finalizar o “Cavaleiro de São Jorge”. Infelizmente o ator principal, Gilson Carvalho, foi assassinado antes do filme ser lançado, pouco tempo depois de gravar o voice over do curta. A essa altura não se encontrava mais autorização de uso de imagem e seria um péssimo momento de contactar a família. Cheguei a ser aconselhado a engavetar o filme, mas logo veio a indicação para o CILECT. Mesmo não sendo distribuído largamente em festivais, o filme existe e pessoas de mais de 60 países viram.

Rogério Cathalá, em Stiges, Espanha, logo depois de se formar em 2006
Rogério Cathalá, em Stiges, Espanha, logo depois de se formar em 2006
Aluno Turma Curso
Rogério Cathalá 2001 Audiovisual
2011 Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais
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