Amigo dos primeiros passos em São Paulo
Não é força de expressão, mas quando nos mudamos de Porto Alegre para São Paulo, em janeiro de 1971, Sinval Medina, eu e dois filhinhos – Ana Flávia, cinco anos, Daniel, um ano e meio – só conhecíamos uma pessoa, Ana Maria Nhemé, amiga minha, vizinha de prédio na adolescência. Mas, ao ser contratada pela Escola de Comunicações e Artes, a convite do chefe do Departamento de Jornalismo, o saudoso José Marques de Melo (1943-2018), imediatamente cresceram os afagos da hospitalidade paulistana à pequena família de imigrantes do Sul.
Pois então: logo um amigo se destacou nos primeiros passos em São Paulo. Thomaz Farkas, colega e muito parceiro da ECA, não só partilhou sua experiência docente como a criação inspiradora nos domínios de fotografia e cinejornalismo. De minha parte, atuando em pauta, reportagem, diagramação, redação e edição do que logo seria o laboratório pioneiro, Agência Universitária de Notícias, a voz coletiva do Departamento de Jornalismo e, em particular, a prática e a teoria de Farkas na esfera visual seriam uma conjugação muito fértil.
Também nas atividades profissionais complementares para viver na metrópole, o colega professor me auxiliou. Empresário de um espaço ligado às artes visuais muito conceituado, a Fotoptica, me convidou, junto com outro professor, Paulo Roberto Leandro (1947-2015), para editarmos a revista da sua empresa. Foram anos preciosos em que um periódico de formato acolhedor reuniu ensaios e entrevistas com os fotógrafos da época, hoje famosos.
Se de manhã partilhávamos o jornalismo na resistência cultural dos anos da ditadura militar, nas tardes de edição da Revista Fotoptica, na loja do centro de São Paulo, mexíamos com imagens de autoria captadas pelos novos e velhos equipamentos da fotografia. A abertura total para a criação não só era a disponibilidade constante de nosso chefe, como Farkas a praticava nos trabalhos acadêmicos que lhe dariam o título de doutor na Universidade de São Paulo. (Em paralelo ao que todos sofríamos: a perseguição política repressiva. Nem vale a pena esmiuçar o que já está registrado nos volumes históricos da ECA/USP.)
Prefiro as memórias afetivas, as memórias lúdicas, após mais de 50 anos de nossa convivência. A família Farkas também nos recebeu na própria casa e até mesmo nos proporcionou passeios e hospedagem no seu sítio do Litoral Norte. Foi quando o casal e os dois meninos que vinham de praias de nada mais do que areia contínua, como Tramandaí ou Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, se deslumbraram com os recortes das baías, rochas e outras maravilhas das praias paulistas. O abraço amigo se estendeu para nós da capital ao litoral.
Thomas Farkas, cujo centenário de nascimento celebramos a 17 de setembro deste ano e perdemos em 2011, ocupa nossos afetos até hoje.
Cremilda Medina, jornalista, pesquisadora e professora titular sênior da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, é autora de 20 títulos e organizadora de 63 coletâneas inter e transdisciplinares, entre as quais a Série São Paulo de Perfil e a Série Novo Pacto da Ciência.