Nosso Exu das Artes Cênicas
Zé, nosso Exu Senhor das Artes Cênicas, foi para mim muito além de um grande teatrólogo. Zé me trouxe a São Paulo e me concebeu os melhores ritos teatrais, me permitiu estar no seu convívio diário do apartamento 63 do Paraíso e me formou com parte do seu universo de referências.
Adorava ler Oswald de Andrade, ouvir Chet Baker, recitar Maiakovski, tocar Dindi, jogar o I Ching – que tenho a honra de ter recebido um de seus dois livros de presente (me deu o traduzido e disse que ficaria com a versão em francês) – entre tantas maravilhas que pude experienciar com ele nos nossos chás, vinhos, viagens e conversas.
Viveu acordado pelas madrugadas estudando e criando e saía de casa sempre sob o feitiço do amor que a Lala, sua irmã, preparava com muito carinho para que se perfumasse. Deixava todos os domingos reservados para o grande almoço ao redor da mesa repleta de familiares e amigos próximos da sua convivência no bairro Paraíso.
Era de uma curiosidade e interesse ímpar em cada coisa que lhe era dito, perguntava tudo e devolvia as palavras como sagradas. Zé se importava com o escrito e o falado e tinha palavras que a nós são comuns, mas que ele tinha bons motivos para excluir do seu vocabulário.
Sua dramaturgia tinha cores, temperaturas, ações e o seu convívio abrigava todas as gerações e as produções de conhecimento possíveis.
Reescrevemos Roda Viva juntos para a remontagem de 2018 e guardo na memória momentos como cantar para ele músicas da Marília Mendonça e ensinar dinâmicas da internet para que mantivéssemos o texto vivo e atual.
É humanamente inviável descrever a grandiosidade do Zé Celso do “Amor, Humor y muito mais”. Teria que fazer um livro para que coubesse tudo o que eu tenho a dizer sobre ele. Zé é amante do seu cordão dourado de afetos e se inscreveu na ethernidade do teatro e dos nossos corações.
No nosso último encontro, há pouco tempo, ele mais uma vez me fez tantas perguntas quanto fossem necessárias para que entendesse tudo o que se passava comigo. Olhou todas as fotos do meu Instagram perguntando sobre cada uma delas e escolheu a sua foto preferida de si mesmo, que eu tirei. Descobriu que eu estava na Escola de Arte Dramática e ficou muito feliz, disse que era uma escola muito boa. Fiz carinho no seu cabelo, aguardei ele comer, dissemos que nos amávamos, ele disse que minha presença tinha renovado a sua energia e nos despedimos.
No dia 6 de julho, dez dias antes do meu aniversário, na nossa despedida terrena, saí do velório e estreei a minha primeira tragédia grega na EAD, que dedicamos a ele. Voltei pro Oficina e com muitos dos que têm milhares de histórias para contar das inúmeras facetas do Zé, fizemos o maior de todos os teat(r)os, em seu nome.
Evoé, Zé! Te amo.
Nolram Rocha, ator, turma 75 da EAD (2023) – veio de Rio Branco (AC) para São Paulo a convite do Zé Celso, para ser assistente de direção na temporada de “O Rei da Vela” no Sérgio Cardoso e depois para dramaturgia e atuação de “Roda Viva”