Zé Celso perpassa todas as transformações do teatro brasileiro nos últimos dois séculos
Diz a lenda que quando o torturador se aproximou, ao invés de lamúrias e súplicas por clemência, o que ouviu do homem a ser torturado, em alto e bom som foi: “Venha com esses seus choques elétricos! Eu tenho tesão por eles!” Era o Zé Celso afrontando o braço perverso da ditadura militar. O teatral total, misturado e sendo a vida.
Sua existência perpassa todas as transformações que sofreu o teatro brasileiro nos últimos dois séculos. Do Teatro Brasileiro de Comédia como contraponto, passando por americanos, russos, pela literatura brasileira, leituras fundamentais de “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Zé Celso esteve no epicentro da Tropicália! A versão não menos genial para o teatro da obra literária de Oswald de Andrade – “O Rei da Vela”, com Renato Borghi, Abrahão Farc, Etty Fraser e cenários de Hélio Eichbauer.
Zé esteve no exílio. Quando voltou, fui ao Oficina para o “Ensaio Geral do Carnaval do Povo”. Aquela bigorna e o nome do grupo, tão desmistificador, oficina, local de trabalho! Não perdi mais nenhum de seus trabalhos.
Ainda estudante da EAD-USP, com Eliane Giardini, fui ver “As Três Irmãs”, peça do russo Anton Tchekhov. Na cena inicial, as três banhavam os rostos e braços numa bacia com água e pétalas de flores. Como estavam lindas! Analu Prestes, Kate Hansen e Maria Fernanda!
O tempo passava com um pião sendo rodado, daqueles que fazem barulho. Em toda peça que faço penso em usar o pião!
Outra cena inesquecível era um duelo. Luís Antônio (Martinez Corrêa) dava o tiro, e o fogo queimava no rastilho, indo numa agoniada câmera lenta em direção do outro duelante. Mais tarde tinha uma tocha com fogo, sempre o fogo, um biombo e a voz grave poderosa de Maria Fernanda: “Será que ainda vamos pra Moscou?” Renato Borghi e Fernando Peixoto também estavam naquele palco.
Lembro como Eliane e eu, jovens estudantes de teatro, assistimos a “As Três Irmãs”. A bilheteira Teresa propôs a troca de dois ingressos pela metade do frango de padaria que ainda portávamos.
Agora, Zé foi vítima do fogo. Vai acontecer muito teatro na sua despedida!
E fica o exemplo de luta, que deve levar à solução jurídica para a praça que dever ser o espaço contíguo ao maravilhoso Teatro Oficina! Evoé!
Paulo Betti, ator, diretor e autor (EAD, 1972)