Zé Celso por Pascoal da Conceição, ator

É nossa obrigação defender o teatro brasileiro

Foi através da EAD-ECA-USP que cheguei ao Teatro Oficina.

No segundo semestre de História do Teatro Brasileiro,
da turma da Escola de Arte Dramática de 1982,
sob a batuta da querida mestra Renata Pallottini,
cada grupo ficou encarregado de apresentar um seminário
sobre quatro momentos da história passada e enterrada do teatro brasileiro:
1. TBC (Teatro Brasileiro de Comédia),
2. Teatro de Arena,
3. TCB (Teatro Cacilda Becker) e
4. Teatro Oficina.
Fiz parte do grupo que ficou com o seminário sobre o Teatro Oficina.

Dum esbarro que tivemos,
eu e Luciana Domschke, com o Zé Celso
nas escadarias do Theatro Municipal,
ficamos sabendo por ele que o Teatro Oficina
não era parte do museu da história passada do teatro,
ainda estava vivo, que se encontrava a perigo, sem elenco,
tendo que enfrentar a especulação imobiliária,
através do Grupo Silvio Santos,
que queria comprar o espaço da rua Jaceguai.

Acertamos para que Zé Celso fizesse uma ‘oficina’ no nosso seminário
com o texto “Mistérios Gozosos”, de Oswald de Andrade.
Esse texto, sugestão do Zé, estava ‘escondido’, inédito,
provavelmente por ser uma ópera escrita
na linguagem das putas, michês, cafetões
e frequentadores da zona do meretrício.

Vam fudê, vam?
Vam buchê, vam?
na bunda, vam?”

“Mistérios Gozosos”, ópera de Oswald de Andrade

Fizemos uma grande convocação aberta,
veio gente de todo lugar,
e os ensaios aconteceram durante a ‘semana de saco cheio’,
com um coro bem diverso de dezenas de atrizes e atores,
tendo apenas um percussionista, o Billy, a banda,
e a direção do Zé.

A ação da ópera se passa na Vila Mimosa, no mangue,
conhecida zona de prostituição da cidade do Rio de Janeiro,
frequentada por coros de prostitutas, michês,
pais de família, mulheres de Jerusalém, vendedores de santo
e onde Jesus das Comidas é o cafetão de Eduléia.

A peça se inicia com uma orgia entre o céu e a terra,
todos os santos e santas do Olimpo católico encarnados,
se encontram numa orgia, juntos juntas juntes,
no “grande milagre do amor”
para criação das vidas do mundo.
Chegamos ao Mangue, na Zona,
onde o Santeiro do Mangue, seu Olavo,
que deixou a mulher prestes a dar à luz em casa,
foi vender seus santos para ganhar o leite da criança
no único lugar que ainda compra santo: a zona.
E na zona seu Olavo esbarra com Eduléia,
a protegida de Jesus das Comidas.
Ambos fazem um negócio:
Eduléia “destroca” um São Jorge, do seu Olavo,
por uma “sacanagem gostosa”.

Nos registros da turma de teatro da EAD-ECA 1981
eu, Pascoal da Conceição, e Luciana Domschke
estamos registrados como “desistentes” do curso,
uma injustiça que precisa ser revogada,
porque não foi isso que aconteceu.
O Seminário Teatro Oficina com Mistérios Gozosos
nos colocou em contato com toda essa história,
e depois de tudo que ficamos sabendo
era nossa obrigação, assim nós entendemos,
lutar junto com Zé Celso na defesa do teatro
contra a especulação imobiliária
que queria tomar o espaço do teatro.
Não havia o que discutir,
era defender o teatro brasileiro.
E fomos para o Teatro Oficina.

Oh, bem-aventurado, oh, feliz!
quem por uma sorte do destino
se inicia nos mistérios divinos.
A vida vira santa, a alma vira corpo,
bacando nos morros.”

“As Bacantes”, ópera Candombléica, Eurípedes.
(tradução Zé Celso, Denise Assunção e Catherine Hirsh)

Pascoal da Conceição
Pascoal da Conceição

Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso

Na quinta-feira, 13 de julho de 2023,
uma Árvore foi plantada na calçada do Teatro Oficina,
um Ipê, presente da atriz Fernanda Montenegro
ao Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso.

Desde que chegou, a Árvore cresceu
e já estava com quase 4 metros de altura.
Durante o plantio,
na tarde de sol, de vento e de céu azul com poucas nuvens,
ela balançava as folhas e os galhos,
com o sol se pondo no horizonte de muitos prédios.
Um show da natureza,
com inúmeros subtextos do que significa esse plantio.
A Árvore é primeira atriz do
Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso,
cenário da encenação de “A Queda do Céu”,
de Davi Kopenawa,
dramaturgia que Zé Celso aprontou
e foi dormir o sono que o colocou na ethernidade.

A minha casa é o céu, é o chão,
caroço bruto catado no vão do viaduto,
dando pro Anhangabaú da feliz cidade.”

Inverno”, composição de Zé Miguel Wisnik

Aprendi, não vou lembrar onde agora,
que quando a Emoção cresce
e atinge um nível em que não se aguenta mais,
vira música. Nas tragédias é assim.

Neste momento em que escrevo,
estou sentado nas poltronas do Teatro Oficina,
de frente para o janelão de vidro que,
pra quem já esteve no teatro sabe,
dão pro terreno/estacionamento do Baú da Felicidade.

Quarenta anos atrás,
o Bixiga ainda tinha casas,
muitas casinhas, quintais, biroscas, botecos, cortiços.

A construção do Minhocão,
em plena ditadura militar,
um viaduto de concreto com oito pistas para automóveis,
sem lugar para pedestres,
atravessando a cidade de leste a oeste,
veio para alterar a vida destas ruas de casas,
janelas de apartamentos e quintais.
Da noite pro dia,
o preço do metro quadrado da região desabou,
as construções se desvalorizaram obviamente
e a especulação imobiliária baixou com suas garras no bairro
comprando tudo a preço barato,
derrubando construções, criando estacionamentos,
gentrificando, mandando quem vivia por aqui pra fora e pra longe.

Nada diferente do que está em curso
na votação do plano diretor da cidade,
aprovado pelos vereadores da Câmara Municipal neste exato momento
e que permite que, em espaços como esse,
sejam erguidos prédios de mais de cem metros de altura,
multiplicando a ocupação do espaço,
rendendo lucros e mais lucros
pra força da grana que ergue e destrói coisas belas.

Falem este texto como eu li pra vocês.
Se for pra falar com um ovo na boca,
como muitos de seus atores fazem,
prefiro um camelô de rua gritando meus versos”

“Ham-let”, W. Shakespeare
(tradução de Zé Celso, Nelson de Sá e Marcelo Drummond)

Estas cadeiras onde estou sentado
pertenceram ao auditório do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo,
do tempo das greves dos trabalhadores,
assim como a terra do jardim de dentro do teatro
veio de caminhão da Serra do Japi, em Jundiaí,
um tombamento histórico para proteção da natureza,
tombada pela coragem da gestão de Aziz Ab’Saber no Condephaat
(Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico).

Após o tombamento,
que foi feito para proteger a continuidade do trabalho do Oficina,
o proprietário entrou com ação para despejar o grupo,
o prédio era alugado,
tudo para vender ao Grupo Silvio Santos,
mas conseguimos, depois de muita luta,
que o prédio, depois de tombado,
fosse desapropriado e comprado
pelo governo de São Paulo.

Um dia Zé Celso chegou e disse:
‘vamos começar a construção do novo Teatro’
e no dia seguinte uma demolidora entrou pra derrubar as paredes.
Tudo às nossas próprias custas.
Foram quase 20 anos até a estreia de “Ham-let”, Shakespeare,
tradução de Zé Celso, Nelson de Sá e Marcelo Drummond.

Na primeira leitura de um trecho da dramaturgia do livro
“A Queda do Céu”, no Sesc Pompeia, Zé Celso disse que
o livro do Xamã Kopenawa
era como o de um Yanomami Shakespeare,
comparando-o a Shakespeare, dramaturgo, produtor, ator e diretor
que fez da sua obra a manifestação da potência da criação,
da invenção, do sonho: a Máquina do Desejo.

“A Queda do Céu” é um texto preparado para o próximo tempo do teatro,
oferecendo para a cidade e para o mundo
o Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso.

Comecei a ler “A Queda do Céu”,
confesso que achei difícil pra entender,
porque o livro trata de uma maneira de entender a vida
diferente da minha, praticada a vida toda.
Mas acho que, assim como em Shakespeare,
as respostas estão dentro do texto,
como na cena com atores e atrizes
em que o príncipe Hamlet diz como quer que falem o seu texto.
Vou começar a ler em voz alta.

Terreno que abriga a sede do Teatro Oficina, no Bixiga, em foto de Markus Lanz de 2014 (Blog do Zé Celso)
Terreno que abriga a sede do Teatro Oficina, no Bixiga, em foto de Markus Lanz de 2014 (Blog do Zé Celso)
Presente de Fernanda Montenegro ao Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso, ipê-menino é plantado na calçada do Teatro Oficina (Foto: Jennifer Glass/Teatro Oficina)
Presente de Fernanda Montenegro ao Parque Teatro do Rio Bixiga Zé Celso, ipê-menino é plantado na calçada do Teatro Oficina (Foto: Jennifer Glass/Teatro Oficina)
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