Zé Celso por Maria Helena Alvim, roteirista

Escritora e roteirista, Maria Helena formou-se em Publicidade e Propaganda na ECA em 2001
Escritora e roteirista, Maria Helena formou-se em Publicidade e Propaganda na ECA em 2001

José Celso, um sátiro brasileiro

Cresci ouvindo falar de José Celso. Sobre as incômodas peças onde o público era incitado a participar. Sobre as seleções de elencos, envoltas em excesso. Nenhum limite ao que pode ser apresentado sobre um palco. Demais para uma menina crescida fora dos círculos de fogo da arte como eu.

Mas isso foi antes. Antes de descobrir o teatro, o páthos, a mitologia grega. Aprendi sobre Dioniso, o deus que quase morre antes de nascer (duas vezes) e acaba de ser gestado na coxa aberta e costurada de Zeus. Li sobre as bacantes, sobre sátiros, sobre Pan. E então que entendi que o teatro existia em outra esfera. Estudando os gregos entendi que um palco serve para incomodar. Desnudar hipocrisias. Em última instância, o teatro serve para fazer pensar.

No meu novo entendimento, passei a ver José Celso como um sátiro brasileiro. Uma criatura de outra dimensão costurada na coxa dos nossos tempos. Um homem-cavalo vivendo em um teatro corredor em eterno litígio. Construído na lógica que nos coloca não em frente a uma peça distante, mas sim diante de nós mesmos. Uns olhando para os outros, sem via de fuga.

Zé Celso no Teatro Oficina em 2017 (Foto: Lilo Clareto)
Zé Celso no Teatro Oficina em 2017 (Foto: Lilo Clareto)

No seu último ato, o homem trabalha até tarde na noite mais fria do ano. Adormece. O aquecedor, num derradeiro esforço para criar calor, se torna chama. A chama, fogo. O fogo, incêndio. Labaredas rodeiam e consomem o incendiário. Fecham-se as cortinas.

Enquanto nós, perplexos, aplaudimos o homem. No estado inquieto e doloroso que nos coloca as melhores peças. Cortados pela ideia da morte, do que ela interrompe e impossibilita. Na consciência da frágil carne pensante que somos todos nós. Que final, Zé. Que final.

Que Dioniso o receba com uma boa taça. Evoé!

São Paulo 04/03/1026 Ato da Cultura pela Democracia no Teatro Oficina . Foto Paulo Pinto/Agencia PT
Zé Celso no Teatro Oficina em 2016 (Foto: Paulo Pinto/Agência PT)

(Estou escrevendo um projeto onde pretendia entrevistá-lo. Me preparava para fazer perguntas a uma entidade teatral. Esperava passar os holofotes do recente casamento. Não deu tempo.)

Maria Helena Alvim, escritora e roteirista (Publicidade e Propaganda, 1996)

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