Ana Mae Barbosa, pioneira em Arte-Educação
Pioneira em Arte-Educação no Brasil, Ana Mae Barbosa é a mais recente professora emérita da Escola de Comunicações e Artes da USP – em maio, a professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas (CAP) recebeu o título e tornou-se a 19ª professora emérita da ECA
Formada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco em 1960, Ana Mae especializou-se em arte-educação nos Estados Unidos – concluiu o mestrado em 1974 no Southern Connecticut State College e o doutorado em 1978 na Boston University. (Antes da faculdade, foi aluna de Paulo Freire, em um curso de preparação de professoras para um concurso na Secretaria Estadual de Educação em Recife).
Foi professora do Departamento de Artes Plásticas da ECA entre 1974 e 1994, tendo sido responsável pela implantação da área de Arte-Educação no Brasil. Criou o primeiro programa de pós-graduação em Arte-Educação do país, orientando dezenas de estudos de mestrado, doutorado e pós-doutorado e formando artistas e educadores. Depois de aposentada, trabalhou mais 26 anos na ECA. Este ano, está deixando de ser professora sênior, orientando sua última aluna no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CAP. E continua lecionando na Universidade Anhembi Morumbi.
Na direção do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, de 1987 a 1993, Ana Mae abriu novos rumos para a instituição. Criou cursos teóricos de história da arte, do acervo e cursos interdisciplinares. Em 1990, ajudou a instituir o Projeto Nascente, por acreditar que as artes têm muito a contribuir com a relevância e a inovação da universidade.
Também atuou em entidades nacionais e internacionais, sempre em defesa da Arte-Educação: foi fundadora de várias instituições, entre elas a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, da qual foi presidente por muitos anos.
Ana Mae considera que seu trabalho com a Arte-Educação ganhou força com a Semana de Arte e Ensino, realizada em 1980 na USP, com 3 mil inscritos e a presença de palestrantes como Paulo Freire – o evento mostrou a importância da linha de pesquisa no Brasil e fomentou novas iniciativas na área.
Durante muito tempo, a área de Arte-Educação foi subsidiária das outras áreas de arte, não sendo considerada área de pesquisa. “Fui a primeira professora de Arte-Educação nas Artes Visuais. Meu trabalho na ECA foi muito feliz e realizador. Portanto, este título representa uma experiência completa, o coroamento de várias experiências sequenciais e ampliadas. Esta titulação é esplêndida, garante a minha ligação imorredoura com a ECA”, disse Ana Mae ao receber o título de professora emérita, na cerimônia realizada no Departamento de Jornalismo.
“Na ECA, vivi um paraíso interdisciplinar. Trabalhava com todo mundo, o pessoal dos Departamentos de Artes, Música, Teatro, Relações Públicas, Propaganda e Publicidade e Jornalismo. Uma relação especial. É um caso de amor. Muito grande. Uma paixão bem retribuída. Eu jamais poderia trabalhar em um lugar mais profícuo, que me impulsionasse tanto, que me desse tanta liberdade”, declarou Ana Mae em entrevista ao Jornal da USP.
Aos 80 anos, não abandou seus sonhos de ver aulas de arte e design nas escolas públicas de ensino médio e de uma instituição na USP com cursos de ateliê para alunos de toda a universidade.
De triângulos e colares: louvação a uma mulher exemplar – Regina Machado
Aonde ela chega, deixa um campo arado para os alunos, para os professores, para os leitores, para o público, para a posteridade, por meio de uma ação rigorosa, mas não rígida, de natureza apaixonada, mas não emotiva, indisciplinadamente disciplinada e, acima de tudo, desprendida de recompensas e glórias pessoais. Em cargos de presidência, diretoria e coordenação, não para de inventar e implementar cursos, livros de referência, seminários e congressos. Pode parecer que tenha sido fácil. Nunca foi. Acompanhei de perto a quantidade de empecilhos raivosos entrincheirados em obsoletas armadilhas para qualquer uma de suas iniciativas.
Dentre as incontáveis realizações da professora Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, sua Abordagem Triangular para o Ensino e Aprendizagem da Arte é uma produção histórica de mudança paradigmática que estabelece claros contornos epistemológicos para essa área. É importante ressaltar que, a partir dessa formulação de Ana Mae, essa área pode ser propriamente denominada uma área de conhecimento. Antes de mais nada pelo fato da abordagem de Ana Mae ter delineado a natureza de seu objeto de estudo, até então constantemente escorregadio dentro dos meandros da Livre Expressão.
Com seu caráter visionário, essa Abordagem não nos oferece um triângulo estático, didático, chato, um método facilmente aplicável em planejamentos escolares, mas antes um convite a intuir, conceber, desdobrar e enunciar inúmeras possibilidades de triangulações na experiência de aprender de cada pessoa.
Ana Mae foi se formando ao longo dos anos no pertencimento a uma corrente de pessoas muito valorosas. John Dewey, Paulo Freire, Anísio Teixeira, a querida e memorável Dona Noêmia Varela e tantas outras pessoas no Brasil e no mundo que tiveram seu papel importante no enfrentamento dos conservadorismos, abrindo fendas e rupturas por dentro e por baixo das futilidades e ignorâncias oficiais da História. A Abordagem de Ana Mae não deixa de prestar um tributo a toda essa gente.
O estudo dos contextos é uma contribuição específica e frutífera de Ana Mae, com ecos explícitos que renovaram inclusive o pensamento de arte-educadores dos EUA, como Eliot Eisner, por exemplo. Ana Mae recebeu em 2002 o Achievment Award pela sua liderança em Arte Educação nos EUA muito por ter levado para os americanos a importância da pesquisa histórica.
Ressalto: o tempo, o tempo de cozimento dessa formação, os vários ingredientes misturados ao longo de décadas – hoje conto 54 anos de convivência com Ana Mae, dentro de uma amizade incorruptível. Falo de uma certa qualidade de experiência de aprendizagem que tem a ver também com o modo como Ana Mae dispõe situações para reunir pessoas à sua volta: pela generosidade de propiciar coisas aos outros, sem nenhum interesse pessoal.
Louvo a intenção reta e aventureira de Ana Mae Barbosa, no seu gosto pela beleza da vida, na importância que ela dá aos fundamentos não apenas intelectuais, mas também presentes em muitos tipos de relações humanas, na ousadia de enfrentar obstáculos contundentes com o olhar para diante, na direção do sol nascente.
E os colares? Os colares de Ana Mae são lendários. Convites eternos a uma visita guiada, representam um tesouro inimaginável de uma pessoa única. Cada colar com sua história, relata, em suas contas e formas inusitadas, o testemunho de uma vida a serviço da arte e do que ela pode significar como configuração de destinos humanos. Será que existe alguma cultura sem seus colares? Carregar no próprio corpo uma auréola de beleza pode fazer de uma pessoa o emblema da unidade da vida: a auréola que circunda os planetas, os girassóis, as jubas dos leões, as íris dos olhos das crianças e os eclipses. Um colar pode ser também um triângulo de cabeça para baixo. Ana Mae nunca nos ensinou regras. Apenas pontos triangulados no espaço. Para que possamos relacioná-los e enfiarmos as contas de nosso próprio colar.
Ana Mae, arte-educação em pessoa – Dulcilia Schroeder Buitoni
Desde quando entrou na ECA, Ana Mae atuou para fortalecer as artes dentro da USP, principalmente enquanto educação da arte. Atuou com dedicação nas frentes do ensino, da pesquisa e da extensão. E lutou pela pós-graduação em Artes. O trabalho de anos, com participação e/ou organização de seminários e congressos nacionais e internacionais e muita docência, resultou na importante presença da área na USP e na disseminação de cursos de arte-educação em outras universidades brasileiras. Formou muitos discípulos, mestres e doutores que se espalharam pelo Brasil. Produziu dezenas de livros, mais de uma centena de artigos – uma grande criadora e lutadora pelo ensino da arte. Merecidamente, tornou-se livre-docente e professora titular da USP.
A visão da arte como elemento articulador entre formações e disciplinas universitárias fez com que ela produzisse eventos como o I Congresso sobre Ensino de Artes na Universidade, em 1992, reunindo a ECA, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), o Museu de Arte Contemporânea da USP, professores de estética da FFLCH e de História da Arte da Faculdade de Arquitetura da USP de São Carlos.
Sua carreira foi muito coerente. Um tanto visionária, sempre entusiasmada e agregadora, foi uma semeadora incansável que extrapolou a ECA, a USP, as Américas e a Europa. Criou a Abordagem Triangular do Ensino da Arte, trabalha com mediação cultural. Reunindo pessoas, reverberando arte, contando com a parceria de marido e filhos. Sua família sempre respirou arte. Artes literais, artes visuais, muita educação, muita cultura. De João Alexandre, o projeto Nascente, o Cineclube Paulo Emílio. O filho poeta. A filha arte-educadora.
E nos sonhos que foi sonhando / as visões se clareando. Professora da jovem Universidade de Brasília em 1965, mestrado e doutorado nos Estados Unidos sobre o ensino da arte, dar aulas e conferências em universidades americanas como a Yale University, Boston University, University of Texas e Ohio University e na inglesa University of Central England. Mesmo com grande conhecimento da realidade da arte-educação norte-americana, Ana Mae sempre foi “antropofágica”, refletindo e trabalhando de um ponto de vista em que a realidade brasileira era fundante. Seguidora e amiga do mestre Paulo Freire, sempre caminhou numa perspectiva decolonial, que aprofundou no século 21. Desde o começo, sua carreira foi de brasilidade.
Arte enquanto política. Arte enquanto vetor democrático. Você pergunta: o que seria da tecnologia sem as artes? Eu pergunto: o que seria da comunicação sem as artes? O que seria da humanidade sem as artes? Você fala que a arte serve para refinar os sentidos e alargar a imaginação. A arte-educação pode não salvar o mundo, mas com certeza é um instrumento valioso para vencer a barbárie que nos ameaça. Ana Mae, você personifica a arte-educação no Brasil. Todos nós agradecemos a obra de arte que você é em sua carreira de educadora.
Homenagem à professora doutora Ana Mae Barbosa – Christina Rizzi
Ana Mae é realmente única, com qualidades especialíssimas. Sendo única, nunca pensou só em si ou atuou sozinha. Sempre agregou, aceitou convites e compôs para criar, realizar e avaliar.
Em Ana Mae tudo é intenso e superlativo, o que a torna brilhantemente a mais importante mola propulsora da identificação, conscientização e ações necessárias à Arte-Educação. É também a pedra angular do nosso ego cultural arte-educativo. A mestra que tornou os arte-educadores uma comunidade intercultural no Brasil. Esta superlatividade de Ana Mae pode ser resumidamente expressa nos seguintes dados, que não pretendem, de forma alguma, dar conta do todo. Atenho-me a alguns aspectos da sua vida acadêmica, centrada na ECA, considerando o período de 1979 até os nossos dias:
35 livros publicados
163 capítulos de livros publicados
88 trabalhos completos em congressos
472 participações em eventos
31 orientações de mestrado, 32 orientações de doutorado, 6 supervisões de pós-doutorado concluídas
Atualmente tem 1 mestrado, 7 doutorados e 1 pós-doutorado em andamento. Dos doutorados, o de Daniella Zanellato está sendo orientado na ECA-USP. As outras pesquisas estão sendo desenvolvidas na Universidade Anhembi Morumbi, onde Ana Mae também atua desde sua aposentadoria na ECA.
De 1990 a 2021 recebeu 32 prêmios e honrarias nos âmbitos nacional e internacional.
Ana Mae é generosa: compartilha com os arte-educadores e interessados seus pensamentos, seus achados, suas dúvidas e criações. Viajou o mundo levando as nossas ideias e produções. Participando de congressos, criando associações, relatando experiências, traduzindo e publicando artigos, trouxe do mundo o que encontrou de importante conhecer em Arte-Educação. Não trabalhou e trabalha para si, mas para todos.
Ana Mae é persistente: dificuldade para ela é sinônimo de foco no necessário e desafio para realizar melhor ainda.
Ana Mae fala: não guarda para si nem para depois o que precisa ser dito para que o melhor aconteça teoricamente, didaticamente e politicamente.
Ana Mae ouve: seus alunos, seus colegas e as pessoas com quem tem contato. Escuta, pondera e em coloca em ação.
Ana Mae acerta e erra. Quando erra, reconhece e não teme ir atrás do que precisa ser reparado.
É amiga fiel e afetiva.
Sonha, inclui aqueles que desejam em seus sonhos e os faz acontecer.
Só tenho a agradecer, só temos a agradecer e comemorar sua brilhante, tenaz e amorosa trajetória.
Depoimento em áudio da jornalista, escritora e artista visual Katia Canton (Jornalismo, 1983)
Ana Mae e Katia Canton (Foto: Jennifer Monteiro)
“Ana Mae Barbosa é um dos nossos orgulhos nacionais. E não é à toa que ela tenha sido aluna do Paulo Freire e que siga esses princípios de uma educação para todos, de uma arte para todos e de uma transformação da sociedade através da arte, através da educação.”
Foto da Ana Mae na home: Cecília Bastos/USP Imagens
Fotos de Regina Machado, Dulcilia Schroeder Buitoni e Christina Rizzi nos dos boxes: Edinaldo Arruda/ECA-USP
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Ana Mãe é um patrimônio da Arte-Educação no Brasil e no mundo! Sua contribuição é incomensurável, só temos a agradecer e aprender!
sou professora de Artes recém formada e gostaria de aprender mas com essa pessoa incrível